Pular para o conteúdo principal

Tédio - Nick Cave


Acho que o universo está entediado.
Entediado de fazer o que
Tem feito por tanto tempo

Expandindo ou o que seja.
As estrelas estão entediadas de serem estrelas
E os planetas estão entediados de serem planetas
E a lua está entediada de rimar
Com tua e nua
E olha para nós
Com sua face falsa fina
Entediada.

Eu estava sentado no estúdio
E peguei uma revista de música
E li uma frase do Metallica
Que dizia que as pessoas que se entediam
Têm mentes entediantes.
Essa frase entrou para minha lista
Das coisas mais estúpidas que já foram ditas
Junto com outras coisas estúpidas como
A frase de Nietzsche que
O que não nos mata nos faz mais forte

Isso é estúpido pra caralho.
E completamente mentiroso.
E a frase de Kierkegaard que
A vida só pode ser entendida olhando-se para trás
E só pode ser vivida olhando-se para frente.
(Quero dizer, de que outro jeito
Dá para entender as coisas?)
Enfim, eu só queria dizer 
Que tudo bem se entediar.
Entedie-se.
Isso não denota falta de caráter nem nada

Na verdade, é o contrário.
Significa que você não tem medo
De abrir as cortinas do mundo
E vê-lo pelo que inevitavelmente ele é:
Repetitivo
Monótono
E infinito.
Melhor isso do que a necessidade
De estar sempre entretido
Ou sempre informado
Ou pior, como Metallica
Num estado constante
De fascinação com a própria mente.
A mente não é o que muitos gostariam que você acreditasse
Num estado constante de inspiração.
No geral a mente está metade adormecida
Metida em pensamentos
Circulares repetitivos
Chatos
Morrendo de medo
De ficar quieta o suficiente
Para enfrentar o vácuo que existe.
E não que não existam momentos de graça
Que fique claro.
Mas esses momentos de graça
Flutuam num mar aberto de tédio
Como as estrelas à noite:
Elas brilham
Mas existem no
Vazio.
Extremo tédio e momentos de iluminação:
Nunca pensei em como habitam o mesmo espaço.
Tédio pode ser um estado de preparação
Quando a mente se recolhe no escuro
Para que o momento de iluminação
Quando vier
Queime feroz
E com força.



__ texto falado que faz parte dos extras do filme One More Time with Feeling (Andrew Dominik, 2016). Transcrição livre em versos. 


BOREDOM 

I think the universe is bored.
It’s bored of doing whatever 
it has been doing for so long
expanding or whatever. 
The stars are bored of being stars
And the planets are bored of being planets
And the moon is bored of rhyming
With june and spoon and 
Stares down at us with its 
Flatten faken face
Bored. 

I was sitting in the studio
And I picked up a music paper
And read a quote from Metallica.
It said that people who get bored have boring minds.
I’m putting that quote on my list
Of really stupid things people have said.
Along with other stupid things like
Nietzsche’s quote about
What doesn’t kill me just makes me stronger.
That’s just fucking stupid.
And completely untrue.
And Kierkegaard’s quote about
Life being only understood backwards 
and must be lived forwards. 
(I mean, how else can you understand something?)

Anyway, I just wanted to say 
that it’s ok to be bored.
Be bored.
It doesn’t denote a lack of character or something.
In fact it’s quite the opposite.
It means that you are not afraid
To pull back the curtain of the world
And see it for what it inevitably is: 
Repetitive
monotonous 
and endless.
It’s better that than
Needing to be forever entertained
Or forever informed
Or worse, like Metallica
In a constant state of fascination 
With one’s own mind. 

The mind is not what a lot of people would like you to believe
In a constant state of inspiration. 
Mostly the mind is half asleep
Engaged in dull repetitious
Circular thinking
It’s terrified of being silent enough
To confront the vacuum that exists.
And it’s not to say there aren’t moments of grace -
Let’s be clear about that.
But 
these moments of grace float in a vast sea of boredom
Like the stars in the night sky
They sparkle
But they exist in a 
void.
Extreme boredom and moments of illumination. 
I never thought of how they frequent the same space.

Boredom may be a state of preparation
When the mind lowers itself into a dimness
So that the moment of illumination
When it happens
burns more intensely
and fiercely.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Morrissey entrevista Joni Mitchell: Melancolia encontra Tristeza Sem Fim

Arranjada e publicada pela revista Rolling Stone, em 1997, a entrevista entre Morrissey e Joni Mitchell tem esse subtítulo que vai e volta: Melancolia encontra Tristeza Sem Fim.  Tristeza  Sem Fim encontra Melancolia. Não sei bem quem é qual. Mas quis trazer essa pérola para a língua portuguesa. Fui juntando e traduzindo todos os pedaços que encontrei: fontes  aqui , aqui  e aqui .  E ainda dá para ouvir boa parte do áudio da conversa no Youtube: parte 1 e parte 2 . "Chegando na casa de Los Angeles onde essa conversa histórica aconteceu, tento dar palpites a Morrissey – nosso poeta pós-punk da miséria – sobre perguntas em potencial para fazer a Joni Mitchell, uma das poucas artistas populares que merecem o que há de arte nesse título. Sugiro uma discussão sobre a reputação que ambos compartilham por explorarem temas sombrios – em outras palavras: quem é mais triste? "Por que uma discussão?", Morrissey pergunta. "Por que não uma briga?" Não houve brigas

Levinho, levinho - Aldous Huxley

Está escuro porque você está pegando pesado.  Levinho, criança, levinho. Aprenda a fazer tudo levinho.  Sim, sinta de levinho, mesmo que sinta muito. D eixe as coisas acontecerem de levinho e de levinho se entenda com elas.  Antes eu era um absurdo de tão sério, um pedante sem humor.  Levinho, levinho -- é o melhor  conselho que já me deram.  Mesmo na hora da morte.  Nada complexo, pomposo ou enfático.  Nada de retórica, nada de tremores,  nada do inseguro Eu fazendo sua grande imitação de Cristo ou Little Neil.  E, claro, nada de teologia, nada de metafísica.  Apenas a morte e a inteira luz. Então jogue fora sua bagagem e vá em frente. Há areias movediças por toda parte, te engolindo pelos pés, tentando te afogar em medo e autopiedade e desespero. É por isso que você tem que andar assim de levinho. Levinho, meu amor, na ponta dos pés e sem malas, sem uma sacolinha sequer, sem embaraço nenhum.